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12/03/21Esports

"Por causa do meu ego": xand, FURIA

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Xand anda com a cabeça erguida, olhar firme, nariz em pé. Fala rápido, conciso e sem medo, unindo as sobrancelhas ao enfatizar frases.

Marrento.

“Eu não me considerava muito [marrento] antes, hoje me considero. Não sei explicar, acho que é mais uma proteção, uma defesa minha. Seja de haters ou de pessoas que se acham demais e, com todo respeito, não conquistaram nada. Eu gosto de ser marrento em estilo, no meu jeito. Mas no jogo, e profissionalmente, é uma defesa pra não me deixar abalar.”

E a marra se paga. São 25 anos de vida e quase 10 de carreira no FPS. Entre aparições nacionais e internacionais, pausas e mudanças drásticas, o atual capitão da FURIA reconhece o talento, não nega seu ego e recusa modéstia.

Diferente da maioria, sua habilidade no FPS não vem de trabalho duro. Xand se define como parte dos jogadores que têm talento em sua forma bruta. Não foram horas a fio de treino de mira que o trouxeram aqui. Foi a facilidade natural que sempre teve em encontrar jogadores e abatê-los rapidamente.

“Eu acho que eu realmente tenho talento, porque eu não me dedico. Eu não treino, nunca treinei”, confessa. “Talvez por isso, eu nunca fui o melhor do mundo em nenhum jogo. Fui um bom jogador, mas não fui o melhor, talvez por me achar muito bom e nunca treinar o suficiente. (...) Eu jogo muito, me dedico, mas não jogo DM [Mata-mata], não treino mira, não gosto de aquecer, não gostava nem de assistir VOD, agora que sou capitão tenho que assistir. Mas nunca me dediquei.”

Mesmo com a invejável facilidade para encaixar balas e brilhar no FPS, o jogador quase perdeu sua carreira diversas vezes. Não por falta de mira. Ao longo dos anos, Xand percebeu que seu maior inimigo rumo ao topo do mundo era ele mesmo. Suas fraquezas, seus demônios e suas próprias questões o afastaram do seu máximo.

“E aí foi uma chavinha que mudou para mim esse ano. Se eu tenho talento e quero ser o melhor, eu vou me dedicar. E agora eu tô começando.”

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Aos 11 anos de idade, Alexandre Zizi era figurinha carimbada nas lan houses de São Bernardo do Campo. Todo domingo, pedia 10 reais ao pai para passar algumas horas jogando ao lado de seus primos. O destaque veio rápido — Xand chamava atenção ao passo que batia de frente com competidores mais velhos, e conquistava mais horas de jogo ao ficar em segundo, terceiro lugar nos campeonatos.

A veia competitiva sempre esteve com ele. Não ia pra brincar: ia pra brigar pelas horas, e garantia o topo do ranking da lan house sempre que podia. “Meu primo viu que eu era bom. (...) Ele viu que um campeonatinho ia pagar alguma coisa, lá na Paulista, e foi aí que eu entrei pra esse mundo. Fui pra ser surrado! Tomei dois pau e fui embora”, conta o jogador, rindo, mais de 10 anos depois.

“Mas eu amava, e eu me dei bem. Eu realmente era bom. Aí foi meu começo. Tomei uma surra, mas falei: caramba, que daora. Apanhei, mas atravessei a cidade de ônibus, na época eu tinha 12 anos. Que adrenalina. Me apaixonei.”

O sentimento de ser acima da média vem desde essa época, quando jogava com colegas mais velhos, parte de grandes clãs, e batia de frente, sem sequer treinar ou se dedicar durante a semana. “Eu tenho claramente na minha cabeça que eu poderia ter sido um dos melhores do mundo se eu tivesse um psicológico melhor”, confessa, com uma pitada de amargura. “Não foi falta de talento nem de vontade.”

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O auge veio cedo, ainda adolescente — mas a primeira grande baixa também. Aos poucos, o prodígio do FPS passou a ser convidado para jogar em times de alto nível nos melhores campeonatos do Brasil. “Eu tava com os melhores jogadores do mundo. Era eu, Cold[zera], Felps, Henrique [HEN1] e Taco. (...) A gente perdeu uma final numa lan, eu perdi a cabeça”, relata.

O pico de sua carreira aconteceu em meio ao maior declive de sua vida. Aos 18 anos, Xand perdia para um câncer seu pai, sua maior referência, após um ano de luta. “Eu sofri um ano inteiro antes. Isso afetava em tudo: às vezes eu não podia treinar, as vezes meu pai tava ruim, às vezes eu tava puto com a vida”, conta, a voz calma, o tom baixo.

A agonia na vida pessoal afetava diretamente seu desempenho no jogo, e seu time se desmanchou em meio aos atritos.

“Ao mesmo tempo que eu tenho facilidade para os jogos, eu tenho problemas que… Eu já tomei decisões erradas, já agi por impulso, já larguei minha carreira por mulher, na época. Por ser fraco, impulsivo, ansioso, esses problemas me prejudicaram muito no CS”, admite Xand.

Na serenidade de seus 25 anos, o capitão da FURIA relata ter perdido 3 anos de sua carreira ao se mudar para o Chile para viver com uma ex-namorada. Deixou no Brasil a família, a faculdade de Engenharia e o FPS competitivo.

Durante esse tempo, brigas intensas com a ex o afastavam da competição. Mas as propostas continuavam chegando — mesmo parado, as organizações ainda o queriam em seu time. “Eu vi vários campeonatos aparecendo e times me chamando pra voltar. (...) E eu fui recusando, recusando…”

O ambiente tornara o jogo competitivo impossível. As tentativas fizeram com que sua reputação fosse abalada, pois não tinha brecha para se dedicar e deixava treinos por atritos em casa. Relembra a época com pesar — o período detonou seu psicológico, e a relação o marcou profundamente.

Deu um basta ao aceitar a última proposta. “Eu nem avisei, na época. Falei ‘vou embora e volto’, algo assim. Porque não dava. Se eu falasse que não ia voltar, ela não deixava. Só fui. Na mesma semana, fui pro Espírito Santo jogar um campeonato pela INTZ, e prometi nunca mais voltar.”

Até a voz de Xand parece mais leve quando fala de seu retorno ao Brasil e ao FPS competitivo. Com 22 anos, não precisou de grandes esforços para voltar ao alto nível — em 6 meses, partia para a América do Norte para treinar em altíssimo nível ao lado de Kng, Felps, Chelo e Horvy.

“Nesse momento, eu já sabia o que queria. Estava 100% focado em ser jogador, então foi diferente”, conta, afirmando que receios de sua vida pessoal não o afetavam mais. “A única coisa que não foi diferente era a mesma besteira da minha infância: o pensamento de que ‘eu tenho talento, sou bom, não vou me dedicar’”, confessa.

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A constante sobre seu talento tornava-se uma maldição. Xand tinha bons treinos e bons jogos, mas não fazia a diferença da maneira que queria. Era um bom jogador, mas queria ser o melhor. “Eu deixei tudo pra trás, mas na época não tinha botado na cabeça que eu tinha que me dedicar muito mais”, diz.

E não apenas se dedicar para o jogo, como se dedicar para fazer de seu time o melhor. “Isso é algo que eu tento passar para os meninos da FURIA”, divaga, trazendo a experiência do passado ao presente. A ideia de cuidar do seu time: do ambiente, do local, da convivência. Se dedicar para incentivar os colegas a se dedicarem também.

Xand se lembra do principal momento em que se dedicou como queria. As três semanas antes da classificação para o Starladder Berlin Major foram intensas, e se pagaram com a realização de seu maior objetivo na época.

“Ter meu adesivo no jogo”, ele crava, antes até de falar da própria participação no Mundial de CS:GO, em 2019. “Eu parei de jogar, mas tenho minha marca lá. Quantos times brasileiros tão perto de jogar o Major? Pouquíssimos. (...) É difícil conquistar o que eu conquistei. Por isso, eu me vanglorio um pouco. Eu sei que não é nada monstruoso, eu só cheguei lá, não fiz mais nada, mas mano, chegar lá é difícil, viu”, confessa, orgulhoso.

Quando quis, quando se esforçou além do básico, Xand alcançou o campeonato mundial que sempre havia sonhado. “Você sente que, com isso tudo, seu único inimigo é você mesmo?”, pergunto.

“Com certeza”, crava. “Nenhum hater me afeta, nenhum inimigo me deixa nervoso. Só eu mesmo. Eu e minha cabeça. Ao mesmo tempo em que eu tenho tudo muito certo e falo com muita convicção, é disso que eu duvido. Eu tenho meu ego, minha marra, eu sei que eu sou bom. Mas depende. Eu tô bem setado, bem orientado, tenho um suporte por trás. Mas quem sabe? Pode acontecer alguma coisa e me desestabilizar, alguma coisa pode me afetar e me prejudicar. E eu sinto que só isso pode… Nenhuma outra pessoa tem o poder com palavras, seja hate, comentários, o que for”, diz.

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Poucos meses após a conquista, o VALORANT surgiu. O novo FPS apareceu após Xand retornar ao Brasil e aceitar uma proposta generosa em dinheiro para fazer parte de um time argentino. Disputava campeonatos menores, mas ficava perto de sua família e tinha estabilidade.

O VALORANT o ganhou gradualmente: se apaixonou um pouco ao vencer o primeiro Twitch Rivals ao lado da amiga Pan, um pouco mais ao se divertir em sua stream, ainda mais ao pegar gosto pela competição com a TERROR.NET, seu primeiro time. Aos poucos, os lucros de sua live já competiam com o antigo salário, e a escolha foi facilitada.

Muito próximo da mãe, Xand contou com seu apoio. “Eu falava pra ela: ‘acho que eu vou largar o CS e ir pra outro jogo’. E ela me disse: ‘Faz o que te faz feliz’. ‘Mãe, o que me faz feliz hoje é streamar e jogar VALORANT.’ Aí ela falou ‘então vai!”, narra. “Fui jogando campeonatinhos e não ganhava um real, estava muito no começo. Mas eu jogava por amor, e a stream compensava, então me enfiei por aqui. No momento que eu decidi jogar VALORANT eu desinstalei o CS e nunca mais.”

A identificação veio fácil com duelistas como Reyna e Jett. A TERROR.NET voava, mas seus companheiros de equipe precisavam de um contrato para seguirem firmes no VALORANT: assim, Xand negociou com a B4. O time com akemy, pANcada, v1nny e frz conseguiu a vaga no First Strike e brilhou na LAN.

Subir ao palco do primeiro campeonato oficial e presencial de FPS da Riot Games fez Xand divagar sobre sua jornada e a de seus ídolos. “Eu sou muito amigo do brTT e (...) eu tenho ele aqui no Brasil [como referência], me inspiro muito. Quero ser um brTT da vida — com todo respeito a ele, que é meu ídolo, mas quero ser campeão do mundo. O cenário brasileiro [de LoL] é abaixo, mas pra mim ele é o melhor. Eu quero ter esse poder que ele tem no Brasil”, relata.

No Brasil, o ídolo é brTT — lá fora, a referência é Rekkles. A carreira do atirador estrela da Liga Europeia de LoL inspira Xand, que almeja fazer história em uma grande organização assim como Rekkles fez na Fnatic.

A partir daí, o objetivo era claro: entrar na organização que sonhava em representar e torná-la campeã.

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“No FPS, a FURIA é exemplo”, crava, sem precisar de muito para justificar. “No começo do CS, todo mundo queria ser MIBR. Hoje, com a estrutura e o trabalho que a FURIA faz, todo jogador de FPS quer ser de lá. Eles sabem o que fazem. Eu queria muito ser FURIA”, afirma Xand.

Quando consolidou a migração, o jogador mantinha contato com os donos da organização, e conta brincando que deixava claro: “‘Se entrar [no VALORANT] eu tô aqui, hein?’

Com isso, o interesse da organização de elite mundial no VALORANT ligou-se rapidamente à vontade de Xand. Conheceu Carlão, atual técnico da equipe e grande responsável pelo projeto, fechou o contrato e indicou nomes que gostaria de ter como companheiros de equipe.

Foram escolhidos o sentinela Txddy, o controlador Khalil, o iniciador Nozwerr e o duelista prodígio qck — todos destaques em suas posições. Para Xand, não é difícil apontar por que o time se encaixou tão rápido.

“Eu acho que, diferente de 90% dos times do cenário, não somos 2, 3 jogadores muito bons: somos 5. Em todo jogo, a gente ganha de uma vantagem boa, e eu acredito que isso seja pelo individual forte, mas não de 1, dos 5. Agora, se a gente complementar e fechar isso [o tático], a gente vai ficar muito mais parrudo, muito mais forte”, garante.

“A gente vê muitos times que... você, como um time que quer vencer a Gamelanders, vai falar: ‘pega informação de onde tá o Mwzera tá e rota contra’. ‘O Xand tá de Operator no bomb, ou a gente vai gastar drone e mil coisas pra tirar ele ou vamos rotar’. É normal, ainda mais em times que têm uma disparidade grande de nível. Acho que esse é nosso forte, porque… Vai lá no bomb do Teddy e do qck”, provoca. “Vai no bomb do Xand e do Manito [Nozwerr]. Aí complica”, brinca o capitão.

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A FURIA, inclusive, é o primeiro time em que ele é capitão [IGL, in-game leader]. Responde ao título com pompa, mas também com responsabilidade: sabe que é o jogador mais experiente do time e usa isso a seu favor, tanto no dia a dia quanto na hora dos jogos. Xand gosta de ser a referência do time — e gostar disso também o motiva.

Em sua carreira, sempre se achou um jogador completo, mas nunca teve espaço para exercer funções de destaque. “Eu jogava no time do Kng, como eu ia puxar AWP? Eu sabia que eu jogava bem, eu não era ele, mas jogava. Mas agora, no VALORANT, eu sou o Xand. Lá, era o time de todo mundo, por último o Xand. Isso me influencia bastante em tudo. Hoje, eu sou o entry, a Jett, o Operator e o Capitão. E me sinto bem tranquilo”, asserte.

“Hoje, por ter mais responsabilidade, talvez por ser todo mundo menino e, se eu não fizer, ninguém vai fazer, isso me obriga a usar tudo de melhor que eu tenho. Talvez se eu tivesse um cara pra me guiar, um capitão pra falar o que eu fizesse ou um time que tá espancando todo mundo, talvez eu ainda estivesse relaxado”, diz.

Grande parte da sua maneira de liderar veio do ex-companheiro Kng. Também marrento, mas também centrado e firme, o veterano que Xand tem como “irmão mais velho” o ensinou que todo jogador fica nervoso em momentos decisivos, mas a experiência pode ser o 1% que decide quem acerta aquela bala, quem ganha aquele round.

E é esse tipo de aprendizado que o capitão da FURIA busca passar a seus companheiros. “Acredito que sou referência pela minha experiência e pelo que eu conquistei. Eu sempre falo: ‘eu já viajei 20, 30 países jogando FPS, cara. Você pode ser o próximo no VALORANT. Treina’”, cita.

“O Txddy mesmo fala: ‘C..., Xand, você é foda... olha meu capitão, os caras da gringa vão tiltar com você dando dash e matando os caras na bala’”, narra, com um sorriso. “Eu vejo que eu inspiro a meninada. Mas ao mesmo tempo, tenho que tomar cuidado. Algumas coisas eu não concordo, e tenho um poder no time que, talvez, se eu cobrar um pouquinho mais apertado, posso dar uma frustrada. (...) Muito poder nunca é muito bom”, contrapõe.

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O horizonte é longínquo e alto quando Xand olha para frente. Ele já alcançou objetivos primários como jogador profissional — já jogou campeonatos gigantescos, já viajou, já enfrentou ídolos.

A mira agora é no topo do mundo.

“Todo mundo tá falando que quer ir pro Champions. Eu quero ganhar de uma vez, não quero ir. Porque se eu for, talvez eu afrouxe o ritmo quando eu chegar, porque eu sei que eu vou chegar. Pode não ser esse ano, mas eu sei que vou chegar lá e quando eu chegar eu quero ganhar”, crava.

Xand tem o olhar nas nuvens, mas os pés no chão. Seu medo é mais motivação do que motivo de assombro: não quer, de maneira alguma, repetir erros do passado. “Antigamente, eu tinha medo do fracasso. Hoje, não posso me permitir isso, porque eu já tenho tudo, só não posso entregar de mão beijada pra ninguém, não posso mais jogar no lixo.”

Se pudesse, evitaria seus deslizes pedindo para sua versão do passado ser mais focada, mais dedicada, e que não deixasse tudo de lado aos 18 anos. Já que não pode, utiliza os calos que adquiriu errando como parte de sua força, e tem sua maturidade como potencializador do sucesso da FURIA.

“Hoje eu quero ter o melhor time do mundo. Quero ser o melhor do Brasil, mas, como o Brasil é uma potência no VALORANT, ser um time Top 1, 2 no brasil é grandioso no mundo, e tenho certeza que no Masters e no Champions isso vai ser provado.”

Pergunto se a marra já o traiu, mas a marra não trai esse tipo de jogador. Ela é combustível. Defender seu ego, se sentir o melhor e provar para seus adversários que é de fato melhor que eles é o oxigênio de Xand — intensifica a chama, o mantém vivo.

“Nunca me traiu, principalmente no jogo, mas já ouvi coisas que eu não precisava por causa da minha marra e do meu ego. Só que, por causa da minha marra e do meu ego, eu tô conquistando tudo que eu tô conquistando. E se eu fosse quietinho, talvez eu seria só mais um.

Xand finaliza com ambições ditas como certezas. “Individualmente, eu quero ser o melhor, e também quero mostrar para as pessoas da internet e para outros jogadores que dá pra ser capitão e duelista. Se tem que matar, eu vou matar, se tem que puxar Operator pra decidir eu vou puxar, se tem que dar call, eu vou dar call e é isso. Se tiver que puxar um Breach pro qck brilhar, por exemplo, eu puxo”, garante.

“Eu vou dar minha vida. E quero mostrar que eu tô certo.”


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