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21/05/21Esports

"Saber ganhar" - Saadhak, Vikings

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Jogando em alto nível, saber perder é importante. Não tiltar, não se desmotivar, não entrar em pânico ou ficar furioso. Não deixar a derrota abalar.

É importantíssimo, sim. Mas a vida de um competidor é cheia de derrotas — é fácil aprender a perder. Ao longo desses anos cobrindo esports, me disseram algumas vezes que o difícil é aprender a ganhar.

Manter a cabeça no lugar e os pés no chão depois da glória. Não se deixar afetar pelos elogios e manter a fome de continuar vencendo viva mesmo após levantar o troféu. Ter a certeza de que chegar ao topo é só o primeiro passo, e ter a mente fria para focar-se imediatamente em manter-se ali, custe o que custar.

E isso, Saadhak sabe.

O argentino não mede palavras e passa longe de ter filtro. Nas entrevistas para a transmissão do VALORANT Champions Tour, chegou a me falar, antes de gravar, que precisa se controlar pra não “farpar”, com receio de repetir opiniões que fazem a comunidade enxergá-lo como egocêntrico, desrespeitoso, arrogante. Mas ele é só objetivo — assim se define, pelo menos. Sabe o que pode e o que não pode fazer. Sabe quão bom é, o que conquistou e, principalmente, o que quer conquistar.

Antes do VALORANT, Matias Delipetro dominou a cena latino-americana de Paladins, destacou-se e jogou na maior liga do mundo no jogo. Chegando ao FPS da Riot Games, também dominou com folga a cena latino-americana, vencendo 12 campeonatos em um ano.

Mas o foco é no Mundial — objetivo que ainda não conquistou. E, com a ambição no topo do mundo, a Argentina era pequena.

“No LATAM, eu tive uma oportunidade pra ganhar muita grana”, confidencia, o sotaque aparente em todas as suas palavras. “Pra ficar ali, morar com meus pais, ter o meu time que já estava ganhando tudo. E eu decidi vir para o Brasil. Menos grana, piores situações, longe da minha família. Eu escolhi pela competitividade”, explica Saadhak.

Para quem não o conhece, a simplicidade com a qual fala do domínio do cenário brasileiro e do título do primeiro Masters da história beira o desdém. “Tenho vontade de ganhar lá fora. Todo meu objetivo no Brasil... perde significado ganhar aqui se eu não puder ir lá fora e representar bem. Então não me preocupo em ser o melhor ou pior. Se posso me classificar e mostrar bem lá fora, já fico feliz. Aí que eu vou falar ‘hehehe, é, sou melhor que vocês’. Aí sim. Mas agora, não.”

Bem-humorado, de personalidade forte e inteligência perceptível, o In-Game Leader (IGL) da Team Vikings separou horas antes de voar até a Islândia para me contar como tornou-se Saadhak, o argentino que dominou o cenário brasileiro com sua mira afiada e estratégia na ponta da língua.


Aos 12 anos de idade, Matias Delipetro era figura conhecida na lan house em Buenos Aires em que passava suas tardes. Eram entre quatro e seis horas todo dia no Counter-Strike 1.6. A habilidade chamava atenção dos colegas de jogo, anos mais velhos que ele, e o carisma conquistava até os funcionários, criando um ambiente em que ele era querido como um irmão mais novo.

Nessa época, sua paixão pelos esports teve a primeira faísca através do time de 1.6 da SK Gaming, com lendas como SpawN e ahl. “Eu via os caras participando, naquele patamar, com aqueles monitores de tubo, e falava ‘eu quero isso aí’”, satiriza uma voz fina de criança. “Eu tinha muita vontade de ter um time, de treinar. Fiz alguns times, só que era todo mundo newba, então não dava”, brinca.

O FPS foi deixado de lado quando o menino passou a ter um computador em sua casa. “Começou meu novo vício: o LoL”, conta o argentino. “Eu era ruinzão, mas eu gostava. Não era bom como no CS. E fui aprendendo, cheguei no Master no servidor LATAM, mas eu não ia chegar longe nesse jogo. Sei lá, me faltava alguma coisa, eu nunca entendi por que eu sempre fui tão ruim”, confessa, bem-humorado.

Já no fim da adolescência, tentou jogar CS:GO, mas o anúncio de Overwatch mudou o panorama. Seu computador não rodaria o novo FPS, mas Matias não o tirava da cabeça. “Eu não tinha grana, tava terminando meus estudos. Fui trabalhar, um trabalho muito ruim, só pra guardar dinheiro pra comprar um computador bom pra jogar”, conta.

O destaque no servidor veio rápido, mas não foi positivo. “Saíram vários vídeos, vários clipes meus jogando dizendo que eu era um cheater”, relembra. “Na época, eu tinha um tracking [acompanhar um jogador adversário com a mira] muito bom, e jogava com um boneco que era todo de tracking. Só que eu era, tipo, muito bom, bom pra c.... Aí um brasileiro fez um vídeo me chamando de cheater. Quase acaba com a minha carreira”, conta.

Até que a equipe top 1 na Argentina deu um voto de confiança ao jogador. “‘Olha, você é meio suspeito, mas a gente analisou seus vídeos e acha que você não tem nada. Mas se você tiver, a gente vai te amassar’”, Saadhak relembra a fala dos ex-teammates aos risos.

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Saadhak em uma de suas primeiras experiências competitivas (Foto: Reprodução)

A carreira competitiva no Overwatch começou e, mesmo ganhando no LATAM, não clicavam contra a melhor equipe brasileira — “fomos amassados pelo time do Murizzz e do liko”. Quando o grupo se desfez, um ex-companheiro convidou-o para o cenário de Paladins, shooter gratuito com cenário competitivo consolidado na época.

Matias, porém, não gostou do jogo no início. “Até esse momento, eu jogava porque eu amava o jogo, nunca pelo dinheiro e pela cena competitiva, sempre por ser apaixonado pelo jogo. Aí chegou o Paladins e eu fui jogar pelo dinheiro”, ele solta, e eu rio. “Passaram 4 meses de treinamento e viramos o melhor time do LATAM”, diz.

O primeiro evento presencial do jogo em 2017 se aproximava, e a equipe buscou a vaga através da qualificatória regional. “Chegamos na minha primeira final. Tava um pouco nervoso, rolaram várias pinagens”, Saadhak evidencia e mais uma vez me faz rir alto, “mas ganhamos e classificamos pra essa LAN nos Estados Unidos.”

Aos 18 anos, Matias explicou aos pais que jogaria esports no exterior. Prestava vestibular, na época — intento, em espanhol — mas deixou de lado quando a carreira começou a vingar. “Meus pais sempre me apoiaram pra c… mas, você sabe, era difícil, 4 anos atrás, era bem mais difícil fazer grana com isso. Aí eu falei pra eles que tinha ganhado uma passagem pra ir pros EUA jogar jogo de computador, e não acreditaram muito”, assume, descontraído.

“Quando eu cheguei no aeroporto, lembro até hoje. Meu pai olhou pra mim e falou ‘então você vai mesmo, né. Vai para os Estados Unidos.’ E minha mãe começou a chorar, e eu animado, ‘vou voar de avião! Pela primeira vez!’”, exclama, animado.

“Essa viagem vai ficar muito no meu coração. Era tudo muito louco, pegar o visto, ir pros EUA, viajar de avião sem meus pais. Tava viajando de noite, na janela, olhando as luzes da cidade. Era uma aventura. Aí chegamos nos EUA e tomamos uma surra incrível”, emenda, e eu gargalho.

Um dos jogadores não havia conseguido o visto norte-americano, então a equipe jogou com um complete. “Mas mesmo sem o sub, a gente ia morrer igual”, dá de ombros. “Era muita diferença. Tomamos uma surra extraordinária. Mas deu aquela vontade. Sabe… Quando você perde desse jeito…”

“Eu era criança, minha primeira LAN foi nos Estados Unidos. Não foi na Argentina, nem no Brasil. Igual o Geteco [gtn], que vai ser a primeira dele na Islândia. E pra mim, eu tava com muita vontade de voltar. ‘Eu vou jogar o dobro, vou tryhardar o dobro pra voltar’”, relembra.

O domínio de Saadhak sobre o cenário latino-americano começou aí. Em 2017, o argentino não se lembra se viajou 4 ou 5 vezes para jogar em alto nível. “Brasil, Colômbia, Espanha… viajando, competindo direto, esse ano foi uma doideira. Mesmo quando a gente apanhava, aprendíamos uma coisa nova pra continuarmos no topo. Era incrível.”

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Foto: Acervo pessoal

Nesse ano, sua equipe foi semifinalista do Mundial — em uma série muito próxima contra a Na’Vi, em que até hoje ele considera que foi vencido pelo cansaço, tendo que jogar três séries seguidas. “Foi uma derrota que doeu no coração, porque foi uma injustiça, e nos esforçamos muito. E a final foi fácil para eles, eles stomparam os caras. Era pra ser nosso, esse torneio”, desabafa.

“Chamei pelo meu pai e falei: ‘que p... eu tô fazendo de minha vida? Isso aqui é uma m*, acabaram comigo’”, narra o argentino, o sotaque ficando mais nítido. “E meu pai me falava ‘tranquilo, papai. Tranquilo, filho. Olha onde você chegou, nunca na vida tinha chegado tão longe.’ Me falou várias coisas, uma situação muito feia”, resgata.

Foram dois anos ganhando todos os torneios na América Latina. “Cada vez que íamos pra um evento lá fora, ficávamos em terceiro ou quarto. Amassamos, mas nunca conseguimos dar aquele pulo pra ser quem ganhava. Éramos a pedra no caminho dos times, mas não o que ganhava tudo”, diz Saadhak.

Eventualmente, um dos jogadores teve de deixar a equipe. “Foi aí que eu chamei o Nozz, que é o cara que tá jogando na FURIA”, conta, e eu exclamo, fazendo a conexão. Nzr, no entanto, não era familiarizado com o jogo e demorou algumas semanas para se adaptar. Assim, eles sofreram sua primeira derrota na América Latina em anos.

E doeu — mas doeu mais porque Matias não gostava do jogo. Gostava de ganhar e da competição, mas não do jogo em si.

“Na época, eu já tinha conhecido a minha namorada, que é brasileira. Conversei com ela, com meus pais. ‘P..., o que eu faço da vida? Será que continuo?’ E aí veio a ideia de mandar uma mensagem para o capitão do time brasileiro. Falei que era do melhor time da região, mas que fui desclassificado e queria ser coach deles. Aí eles falaram ‘ok, manito’, e me ignoraram por uma semana”, conta, rindo.

O capitão da Spacestation Gaming, melhor equipe brasileira da época, respondeu o argentino uma semana depois. Saadhak fez um teste como treinador e impressionou os jogadores, sendo aceito e passando a fazer parte da organização, classificando-se ao Mundial de 2019.

“Só que, por ironia do destino, um dos jogadores teve problema com o visto e não poderia viajar. Como a gente não tinha um suplente que tivesse visto, me colocaram no lugar”, relembra. “Como eu tinha experiência e jogava numa role específica e difícil de jogar, que parece o Sentinela do VALORANT, eu supri a necessidade que eles tinham e chegamos em terceiro, quarto lugar, disputando contra times bons. Quando aconteceu isso, falaram ‘você vai continuar de player, vamos jogar juntos’”, conta o argentino.

A chave virou quando o circuito do shooter passou a ter uma liga presencial nos Estados Unidos, a Paladins Premier League. A SSG forneceu uma gaming house em Atlanta para a equipe, e Saadhak passou cerca de 4 meses morando no exterior. Foi na SSG que conheceu o “Fogão”, o Frz, duelista da Team Vikings.

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Frz e Saadhak na Spacestation Gaming

“Só que a experiência foi exótica. Estávamos nós cinco, nós tínhamos que limpar, fazer comida, tudo. Treinar, acordar cedo… Não tinha a estrutura que tenho hoje, na Vikings. Foi uma experiência boa, no fim. Não fomos stompados, mas não stompamos, tivemos nossos bons momentos. Não ganhávamos dos times europeus, mas do NA, a gente ganhava. Estávamos sempre em terceiro, quarto lugar, nunca passamos disso, e isso foi uma coisa bem triste”, diz.

“Eu e o Fogão levamos muito com a gente isso, até hoje, até morrer. De não poder ganhar, de dar tudo de si e sentir que não dava pra ganhar. Tentamos tudo, jogamos um monte e não dava. Chegava no Mundial, a gente avançava, avançava e era amassado”, relembra, com frustração.

Esse seria o último ano jogando Paladins. O CEO da organização avisaria, dias depois do Mundial, que a liga que eles disputavam seria fechada pela desenvolvedora. “Eu falei ‘putz, tô sem emprego agora, f*deu.’ E aí passei de novo pelo momento “que p... eu vou fazer da minha vida?

Questiono se foi com essa experiência que ele aprendeu a falar português, e ele explica que não. Havia aprendido com a namorada, brasileira, com quem está há quase três anos. Pergunto a história, e sua expressão volta a ficar sorridente.

“Conto sempre essa na stream. Foi na época que eu perdi no LATAM. O capitão do meu time no Overwatch falava com umas brasileiras, e uma delas tinha uma amiga. Ela me mandou mensagem. Ela me diz que mandou mensagem porque me achou lindo. Também, heheh, dá pra ver”, Saadhak solta, e eu caio na gargalhada.

“A primeira mensagem que ela me mandou foi ‘oi, me carrega?’ Nossa, eu falei pro meu colega todo orgulhoso, ‘olha o que essa mulher me falou, quer que eu carregue ela’. E eu falei ‘tá, vamo ver’. Começamos jogando Paladins juntiiinhos, de duozinho…”, o sorriso não sai de seu rosto.

“Um dia, ela me chamou pra ver um filme com ela. Eu lembro, nossa senhora”, se embaralha nas palavras. “Isso aí foi como… oi? Eu só focava no jogo, não ligava pra mulheres, pra nada. Não tinha nenhuma experiência nem contato social. Falei ‘cara, tá indo muito rápido, não sei o que fazer. Me ajuda, Deus’”, ele se diverte contando. “Eu lembro que tava nervoso, não falava português. Passaram 10 dias, ela falou: ‘você quer namorar?’ e eu falei ‘Bora, bora!!! Marcha, boneca’”, solta.

“Assim, começamos nosso webnamoro”, conta Matias, que namora a piauiense Ianca Fonseca há dois anos e oito meses. “Passamos por várias coisas juntos. Graças a ela eu consegui o trabalho na SSG como coach, e graças a ela eu vim pra cá jogar Vava. Porque minha ideia era vir pra cá jogar, competir, mas também pra morar com ela e começar a ter algo juntos, porque a gente mora muito longe. Ela não acredita quando eu falo que é por ela que eu tô onde eu tô. Não acredita. Mas ela vai ler isso, e eu vou falar ‘você viu, né?’”, garante.

Ao fim de 2019, o FPS da Riot havia sido anunciado. O Projeto A tinha previsão de estreia para o primeiro semestre de 2020 — e Saadhak sentia que aquele seria seu momento.

“O hype bateu muito forte”, recorda o argentino. “‘O que eu tenho que fazer? Não sei nada de FPS tático. Não sei conceito, posicionamento. Não sei nada.’ Atirar eu sabia, porque eu já joguei anos atrás. O que eu posso fazer?”

Pá. Na minha cabeça, veio na hora o Nzr. Ele jogava CS, tinha deixado o Paladins pra jogar CS e tentar algo, e a gente já tinha falado de fazer alguma coisa juntos. Fizemos um time com ele, o Puleule [ex-companheiro] e mais dois caras. E começamos. Ficamos 6 meses lá, e aprendemos muita coisa. Usei 100% de aprendizagem e preparação pro VALORANT”, afirma.

Chegando ao VALORANT, Saadhak ganhou tudo. “A mesma situação que passamos no Paladins foi no Vava. Ganhamos tudo, acho que teve um torneio que eu não ganhei, que saímos em segundo lugar. Depois disso, ganhamos o First Strike pela Estral. Dominamos LATAM certinho”, diz.

Mas Matias sabia o que era ganhar em casa, e queria mais. “Eu sabia que esse time era muito bom, mas também sabia que não era o suficiente pra ganhar lá fora. Nessa época, eu já assistia um monte de brasileiro jogar, tínhamos jogado a Copa Rakin e tínhamos experiência jogando contra times brasileiros. E eu falei ‘tá. Se eu quero crescer, tenho que ir pro Brasil’”, crava.

Dedicar-se ao VALORANT era simples, porque ele realmente gostava do jogo. O caminho era difícil, mas a decisão foi intuitiva. “Eu tô num time que tá ganhando tudo no LATAM. E eu vou correr o risco de perder esse time, ir para o Brasil, uma cultura que eu não conheço… não conhecia, não sabia do arroz e feijão”, exemplifica. “Passar pra um time que eu não sabia que ia ganhar. E foi a decisão que eu tomei.”

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“Aí eu mando mensagem pro Sacy e o filho da p... não me responde por dois, três meses”, conta, descontraído. “Ele me respondeu muito tempo depois, no Twitter. ‘Você tá procurando time, bora fazer alguma coisa?’ E a gente começou a montar o time. ‘Será que vou pro Brasil? Será que vou encontrar as pessoas certinhas pra fazer um time? Quando começamos, apareceu o nome do Frz… você viu que na minha história os nomes aparecem várias vezes, né?”, ele sorri.

Outro dilema cerceava sua vinda ao Brasil. “Quando eu estava em tratativa pra vir pra cá, minha mãe ficou doente. Tive que tomar a decisão de deixar minha mãe doente pra viver meu sonho. Eu sabia que se eu falasse que não, ela ia ficar muito p... comigo. Dizia que eu tinha que ir, sim. Que ela tem meu pai e meu irmão, e que eu tinha que vir”, conta.

“Foi uma das, se não a mais difícil decisão que eu tomei na vida. Deixar meus bichos também, meus gatos e meu cachorro, sou louco por eles. Meus pais, minha mãe, no meio da pandemia, pra morar em um apartamento sozinho em um país que eu não conhecia, em São Paulo, que me falavam que tem roubo, várias coisas. Tava sozinho, e falei ‘marcha, boneca’. Vambora. Morei sozinho aqui por um mês, sem conhecer nada, me virando. Isso definiu muita coisa pra mim”, confessa.

Saadhak define que formar a Vikings foi incrível. “Até esse momento, mesmo na Estral, eu não pude ter meu próprio time. Em que eu possa fazer as coisas do meu jeito, sabe. Sempre teve outro capitão. Quando eu formei com o Sacy, eu falei ‘tá, quero treinar do meu jeito. Quero que esse time seja o que eu quero fazer, como eu quero apresentar o jogo pra galera. Quero que seja eu, meu. E deu muito certo, né?”, ele dá uma risadinha.

“Obrigado, Deus, que deu tão certo assim. Evoluímos muito, você sabe… e o resto da história você conhece. We started from the bottom, now we here”, cita.

Sua última experiência como In-Game Leader havia sido na SSG, e ele faz uma expressão de dor ao lembrar da época. “A dor de cabeça que eu tive pra aprender português, eu passava mal. Tinha que pensar rápido, porque Paladins era muito rápido, e passar todas as calls em português. Mas foi uma experiência tão boa que me ensinou muito pro VALORANT. Sem isso, eu não seria o IGL que eu sou hoje”, garante.

Ao chegar no Brasil, Saadhak teve choques de cultura com coisas como a alimentação — “O tempo todo arroz e feijão! É incrível, não param de comer isso” — mas um desafio foi entender o humor dos brasileiros. Mudar seu jeito de se comunicar foi necessário para que seu time funcionasse — teve de aprender a ter tato.

“Reclamavam do jeito que eu falava as coisas. Eu sou uma pessoa simples: se eu vejo que você tá fazendo algo errado, eu vou chegar e falar ‘mano, você tá fazendo m... aqui e ali. Mas eu passei por uma adaptação em que eu fiz mal pro meu time falando assim. Eu não sabia, mas as pessoas do Brasil são mais sentimentais, sentem mais que a gente”, divaga.

“Como IGL e capitão, eu tive que reaprender como falar com meu time. Jogando em time argentino, a gente falava as coisas na hora, na cara. Tipo, você sabe que a gente fala boludo, né. Isso aqui foi ‘una boludez’. Uma coisa ruim. A gente atingia rapidinho, bem na hora, e aqui não era assim, tive que aprender a me adaptar”, explica.

Para ele, a Vikings dá certo por conta da maturidade dos jogadores, e da facilidade de dialogar e compreender seus colegas de equipe. “É muito difícil ter isso em um time, é mais difícil ainda em um time brasileiro e mais ainda em um time brasileiro de shooter. Você sabe que os caras têm um ego bastante alto. E a gente tem um time bem maduro”, opina.

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Ao longo de 2021, o time venceu os três campeonatos que disputou: o Ultimasters AOC, em janeiro; o VALORANT Masters Regional, em março; e a final do VALORANT Challengers, em maio. Saadhak sabe que seu time é bom, mas passa longe de deixar isso subir à cabeça.

“Eu sempre tento ser uma pessoa realista. Eu não achava que a gente ia ganhar o primeiro Masters de jeito nenhum. Foi uma surpresa pra mim e pro time. Quando a gente ganhou, eu fiquei felizão, mas meu foco sempre foi o segundo e o terceiro Masters. Era chegar no Regional, pegar uma experiência pesada, jogar a final e se preparar pro segundo”, diz.

“Então o que aconteceu? A gente se reinventou automaticamente”, relembra. “Do Masters pra a próxima semana, a gente já tava jogando de Skye. Foi tudo muito pensado, pensei muito junto com o Sacy, que não podemos cair, que estamos em uma comodidade falsa. ‘Ganhamos o Masters, vamo pra Islândia fácil’. A gente chegou na final fácil, querendo ou não, só a Sharks deu trabalho pra a gente. Então como você faz com que cinco pessoas pensem do mesmo jeito, não se sintam cômodas e queiram continuar ganhando?”

Saadhak rejeitou imediatamente a comodidade após cravar seu espaço no topo do Brasil. Testou Skye, Yoru, Astra, Viper. E todos os testes davam certo. “Dava porque a gente pensava realmente no que ia fazer. Tipo, jogar de Yoru. Por que e o que vamos fazer com esse boneco? O que dá e o que não dá? E fomos aprendendo pra c... do jogo”, explica.

“Por isso que os times diziam que a gente tava um nível arriba,” — o espanhol escapa — “mesmo nos jogos que eram close. É pelo fato de que quando a gente ganha, ganha de um jeito que eles não entendem como a gente ganhou. Tudo pela nossa mentalidade de continuar evoluindo”, crava.

O IGL da Vikings dispensa modéstia para falar de si — não por ego, mas pela objetividade que mencionou. “Por isso, foi bom ter um cara como eu no time. Que ganhou tanta coisa por tanto tempo. No LATAM, eu ganhei por toda a minha vida. Eu sei o sentimento de ganhar, sei como chegar na vitória e como manter o topo. Sei que o ego pode ser muito difícil de lidar. Sei que a gente tem que inovar, que a gente é o time a ser vencido. Tudo isso eu já passei e sigo passando.”

Manter a cabeça no lugar parece simples para Saadhak, porque a mira nunca foi aqui. “Meus objetivos sempre foram lá fora. Sempre. Então, pra mim, ganhar aqui, no Brasil, no LATAM, não significa nada”, enfatiza. “Você pode olhar e pensar ‘pô, mano, tá tirando, né, c…’. Mas isso mantém em mim que eu sempre tenho que melhorar, e não importa contra quem eu ganhe aqui, o importante é ganhar lá fora”, diz.

“Você pode ser o melhor da sua região, tudo bem. Mas se você vai lá fora e toma um espanco... mano, eu sentiria muita vergonha de mim mesmo. [Se acontecer], pô, realmente vou falar: ‘tenho muito que aprender, sou ruinzão. Tô fazendo o que da minha vida?’”, brinca.

“Sempre falam que eu sou um cara com muito ego, que falo coisas egocêntricas, mas é meu jeito de falar”, explica. “Se eu falo que você não joga bem, que é ruim, não é na maldade. Tô falando o que vejo dos meus olhos, da minha experiência. Não que eu seja melhor ou pior.”

“Se manter no topo vem muito dessa mentalidade. De inovar, de entender que você tá no topo e pode perder pra um time que não achava que ia perder, sabe. Então tudo isso, para mim, sempre se resolveu olhando pra fora. Olhando pra fora, eu não vou ter medo de perder aqui. Tenho que ganhar aqui porque meu objetivo é ganhar lá fora”, repete.

Matias Delipetro quer muito, muito, muito ganhar em palco internacional. No entanto, a motivação não é representar a Argentina ou o Brasil — ele sequer compreende o que é isso.

“Pra mim, eu vou representar quem eu sou e meu trampo”, dispara. “Pode parecer meio seco… não tô falando que eu não vou representar o Brasil ou a Argentina. Mas como eu represento um cara que eu nunca conheci na vida? Como eu falo: ‘teus sonhos são meus sonhos’? Ou ‘meus sonhos são teus sonhos’? É uma coisa de empatia, que eu não sei lidar”, confessa Saadhak.

“Eu não sou um cara super empático, dá pra ver no jeito que eu falo”, ele dá uma risadinha. “Quando chegam pra mim e falam ‘manito, eu tive um ano horrível e a vitória de vocês fez isso melhorar’, eu fico chocado. Fico feliz, mas não entendo. Nunca torci pra equipe de futebol, nem do CBLOL, não assisto game pra torcer, nada. Minha paixão é por competir, nunca me senti representado por um cara. Se eu quero ser representado, eu vou me representar nesse lugar. Essa é minha mentalidade”, explica.

“Mas isso não tira o fato de que eu quero deixar o Brasil numa boa posição. Isso é algo que eu tenho muito na cabeça: se eu represento bem, vai vir atenção de fora pra cá. Tem oportunidades de muitas pessoas definidas por isso. Imagina um Chase, um Heat, o Mw. Vai que perdem uma oportunidade simplesmente porque a gente foi ruim lá fora? E falam ‘não, Brasil é uma região ruim, podre, não vai chegar a nada. Essa responsabilidade eu vou sim tomar, porque sinto que estou carregando um pouco o futuro dessas pessoas. Só isso”, crava o jogador.

Ressalto que ele fez carreira em um jogo que não tinha tanta atenção do público. “Você ainda não sentiu essa coisa gigante da torcida, né?”, questiono, e ele cita os torcedores da Vikings com carinho.

“Esse ano… os meninos colocando imagem no Twitter com a minha cara, fazendo meme. É muito exótico, muito doido. É um jeito de demonstrar amor, que estão aqui pra você, que estão com você. E eu acho muito louco. Eu não entendia muito bem o que é carregar os sonhos dos demais, eu ainda não entendo, mas tô entendendo. Estão me ensinando ainda essa parte”, diz.

Sobre a campanha no Masters, o sonho é alto, mas Saadhak se mantém objetivo. “Eu não sei se a gente vai poder ganhar”, assume. “Se a gente ganhar, vou levar como boa surpresa, a mesma sensação que eu tinha no Regional. Mas agora eu tô num time que já ganhou, que já conhece essas situações. Estamos preparados. Acho que temos muita chance”, arrisca, enxergando uma possibilidade de Top 4, ao lado da Sharks.

“Como você consegue ser tão pé no chão?”, pergunto, impressionada.

“Você acha?” rebate, e eu afirmo que sim. “Acho que meu pai me ensinou isso. Ele sempre me falava: ‘não importa o que você faça, todo mundo vai morrer’”, dispara, e eu rio de novo. “Você pode ser o Michael Jordan, pode ser o Brad Pitt. Pode ser o melhor no seu trampo. Mas pessoas são pessoas. Ninguém é melhor que ninguém”, divaga.

“Ah, eu jogo melhor o joguinho que você. Mas você é melhor que eu cozinhando, você é melhor que eu falando, você tem mais simpatia que eu, é melhor em outro jogo do que eu. Então não adianta desmerecer. Eu sei quem eu sou, eu sei o que quero atingir”, diz.

“Se um cara vem falando ‘ah, esse argentino nojento, esse m... aí, esse egocêntrico.’ Mano, eu sei quem eu sou, e você não sabe quem eu sou. E é isso. Acabou. Não tem… Eu sou um cara muito simples. Se você não me conhece, você não pode opinar sobre mim”, o sotaque transparece outra vez. “Pode torcer por mim, pode torcer contra, e tamo aí”, finaliza.

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