“Seu sonho é o nosso sonho”- myssen, Havan Liberty

Às vésperas do campeonato mais importante da carreira, myssen não estará sozinho em Berlim

"Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade". A frase foi escrita por Yoko Ono, há décadas atrás, mas poderia facilmente ter sido ouvida em algum canto da Grande São Paulo. Aos 25 anos, myssen embarca para Berlim com muito mais que uniformes, mouse e teclado, leva também o sonho de todos que o ajudaram a chegar até aqui.

Criado no ABC Paulista, em Mauá (SP), foi através da família que os jogos apareceram pela primeira vez em sua vida. Crescendo com um irmão mais velho, o ainda “Rodrigo” começou a se apaixonar pelo FPS ainda criança.

"O interesse veio com meu irmão mais velho, ele jogava no seu tempo livre e me mostrou. Comecei a pegar gosto pelos jogos, pesquisar, ver que tinham campeonatos e até mundial", lembrou.

Mas o gosto pela competição veio após assistir o primeiro campeonato presencial. Uma LAN de CS 1.6 que abriu os olhos de myssen para um novo mundo.

"O gosto pela competição surgiu quando vi a CPL Winter 2005, SK contra 3D. Achei aquela competição linda demais, todo mundo ali na LAN, desde então, quis aquilo para mim", garantiu.

A partir daí, a curiosidade e a magia da competição se transformaram em sonho. O ainda jovem Rodrigo tinha apenas um lema: não desistir. O Counter Strike 1.6 foi a porta de entrada nas competições.

"Comecei a jogar em 2009, desde então comecei a me dedicar muito, tive ótimos professores, o rikz, o FV. Me ensinaram muito desde o início. No 1.6 jogava todos os campeonatos presenciais aqui em São Paulo, tomava ferro para quase todos os times, mas nunca desisti”, brincou

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(Foto: Arquivo Pessoal)

Com o início do CS:GO, myssen seguiu na missão e parecia ter um caminho pronto pela frente. Com um vizinho predestinado, montou uma equipe e começou a evoluir, embora os tempos fossem outros para os esports.

“Em 2012, pulei de cabeça no CS:GO, joguei alguns campeonatos, montei um time com o coldzera, que era meu vizinho na época. Fomos jogando campeonatos, evoluindo, pegamos organização e foi muito legal. Joguei na SemXorah também, mas na época era tudo muito pequeno, os campeonatos valiam Mil Reais", resgatou.

PAUSA NO SONHO

Em 2015, a condição financeira apertou, a vida cobrou e myssen precisou abandonar o sonho, ou pelo menos interromper. Sem condições de “apenas” jogar, ele foi trabalhar como frentista de um posto de gasolina para ajudar nas contas em casa. Em suas palavras “fiquei completamente off dos jogos”. O período no trabalho formal, para ele, ajudou muito a ter disciplina e superar a timidez.

"Me ajudou muito com disciplina, maturidade e eu era muito introvertido, tinha vergonha de falar no telefone, pedir uma pizza. Ali no trabalho eu não tinha a opção de não falar, trabalhei em vários horários, até de madrugada. Ali foi que eu me desenvolvi como pessoa e conheci o Rodrigo de verdade", ressaltou.

O que reacendeu a chama foi o mesmo vizinho predestinado de Mauá. O título mundial de CS:GO vencido por Coldzera e a Luminosity foi o que o tirou do “hiato” de jogos e mostrou para myssen que existia um caminho.

“Pensei: "preciso voltar, se ele conseguiu, eu também consigo, éramos do mesmo nível no começo". Juntei dinheiro, falei para minha mãe que queria isso da minha vida e ela topou”, comentou.

É nesse momento em que alguns caminhos se separam quando falamos de jogadores profissionais. Muitos pais vão contra, outros apoiam, mas o que a família Myssen fez vai além do apoio. Junto com a mãe Elaine e os irmãos, eles se mudaram para que ele pudesse realmente jogar e viver o sonho.

"Tivemos que mudar do nosso apartamento na época, porque não tínhamos condições de manter sem eu trabalhar, acabamos vendendo e comprando uma casa mais barata, para eu poder jogar. Foi algo que sempre me deu muita força", garantiu.

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(Foto: Bruno Alvares)

A relação da mãe de myssen já havia aparecido nas redes sociais do jogador. O vídeo em que ela aparece jogando um DM acabou viralizando no Twitter e revelou esse lado “parceiro” da família dele.

"Minha mãe sempre gostou que eu jogasse, na minha cidade a criminalidade era um pouco difícil e eu ficava o dia todo jogando bola na rua. Ela preferia que eu ficasse no computador jogando que na rua, no início comprou computador para "me prender" e depois que viu que era o que eu gostava, incentivou e sempre deu aquele empurrãozinho a mais", afirmou.

Por isso o sucesso e as realizações de myssen já não são vivadas sozinhas há muito tempo. Pela sua história, cada round, cada vitória e cada HS não são uma conquista individual, mas sim daqueles que o levaram até lá. A ligação com a mãe momentos após a classificação para o Masters Berlin é a prova disso.

"Minha mãe falou que sempre acreditou em mim e que eu não realizei só o meu sonho, eu realizei o sonho de todo mundo".

MIGRAÇÃO PARA O VALORANT

Quando o FPS Tático foi lançado pela Riot Games, myssen não pensou duas vezes em se aventurar no jogo. Segundo ele, a confiança de que poderia apostar seu futuro no jogo o fez migrar.

"Imaginava que seria tão grande ou maior que o LOL. Sabia que a Riot dá muito apoio aos players, então pulei de cabeça, foquei 100%", comentou.

A aposta começou a se pagar logo cedo. Pouco tempo depois do lançamento oficial do jogo, a Havan Liberty decidiu contratar a line-up que já contava com pleets e shion. Na época, os jogadores faziam parte de um seleto grupo que tinha uma casa para chamar de sua.

"Eu me senti realizado, não sabia que a Havan era tão grande, é bizarro a estrutura. O que temos hoje é coisa de primeiro mundo, acho que nem times lá de fora tem em alguns aspectos. O que mais gosto é que desde o início era um projeto de longo prazo, ficamos um ano jogando mal, só depois de tanto tempo viemos dar esse resultado. Para ser bom no jogo leva tempo", cravou.

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O fim da temporada em 2020 veio com um grande encerramento. A classificação para o First Strike, primeiro presencial de VALORANT na história do Brasil. Segundo ele, inesquecível.

"Foi uma classificação muito difícil, estávamos vindo de uma péssima fase. Comemoramos como se fosse um título mundial, choramos, demos risada, demoramos muito para acreditar. Foi a realização de um sonho, né? Participar do primeiro presencial de VALORANT é algo que vamos levar para o resto da vida".

Participar era muito pouco para quem lutou tanto, mas um evento daquela magnitude apontou o caminho que ele deveria continuar seguindo para manter o sonho vivo e foi assim que o “Monstro myssen” começou a ser criado.

"Aquilo mostrou que eu estava no caminho certo e era aquilo que eu queria para mim. Enquanto você não pisa em um presencial e não sente a vibração, a dor de barriga no dia interior, isso te mostra o quanto você quer, o porque batalhar todos os dias. Depois do First Strike eu comecei a me dedicar mais ainda".

COMEÇO DE 2021 COMPLICADO

Terminar 2020 na semifinal do First Strike era promissor para a line-up, mas nada vem de graça no VALORANT. Em 2021, com o lançamento do VCT, começaram os tropeços e as mudanças eram questão de tempo.

"Foi um baque. Achamos que íamos pegar pelo menos um Top 4 depois do FS. Acabou que a gente não se entendia mais dentro de jogo. Um pensava em A, outro em B e acabou tendo conflitos", admitiu.

O tempo passou, as mudanças no elenco aconteceram e mesmo assim a equipe ainda “patinou” bastante no VCT, ficando de fora do primeiro Masters Regional. Na Etapa 2, agora valendo vaga na Islândia, a equipe conquistou a vaga na Final Brasileira nos momentos finais, mas também não foi longe.

Na Etapa 3, agora com krain como reforço, a equipe foi eliminada cedo na Fase 1 e não se classificou para a Fase 2, deixando tudo muito apreensivo. Na Fase 3, o nervosismo não tomou conta e a equipe se classificou com certa tranquilidade. A coletividade é um dos pontos fortes da Havan Liberty, um time que é difícil enxergar uma única grande estrela.

"É natural, o que a gente faz no campeonato é o que fazemos no treino. Ninguém quer ser mais que ninguém. Todos têm o mesmo objetivo. Ter uma medalha de MVP não muda nada para a gente".

A FINAL BRASILEIRA

Sofrido ou com sobras, ali estavam eles novamente, na Final Brasileira e lutando por um sonho coletivo: a vaga no Masters Berlin. Neste caso, chamar de sonho não era exagero, já que o objetivo principal era somar pontos o bastante para a disputa do Last Chance Qualifier, em novembro.

"O clique que poderíamos conquistar o mundo veio depois do jogo contra a VKS, bem recente. Antes disso estávamos lutando para o LCQ, hoje estamos lutando para ganhar o Masters".

A vitória na série de estreia era o que faltava para transformar o até então sonho em realidade. Não somente uma vitória, mas derrubar o até então “bicho-papão” do VCTBR foi uma mudança brusca de comportamento da HL.

"A gente sabia que tinha uma pequena chance de ganhar e saímos com um 2-0, coisa que só os gringos conseguiram fazer. Eles jogaram e treinaram contra os melhores, ganhando de todos no Brasil e você faz 2-0? Você começa a pensar que não está tão ruim quanto pensava. A chave virou ali. O que faltava no nosso time era confiança e a VKS deu isso para a gente", resgatou.

A sequência invicta ainda teve um 2-0 contra Stars Horizon e a Final da Chave Superior, onde com muita autoridade, a Havan bateu a FURIA por 3-0. Em poucos dias o sonho distante tinha virado realidade, um sonho coletivo, de um dos times mais altruístas do cenário. Até hoje myssen custa a acreditar que está no Masters.

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"Meu rosto travou, não conseguia parar de rir (risos), fiquei sem reação na hora. Todo mundo do Office começou a gritar e para ser sincero nem caiu a ficha. Acho que só vai cair quando chegarmos em Berlim. Eu não consigo descrever o que senti, só queria chorar e rir ao mesmo tempo. Só saí pulando e tomando tapa do pleets (risos)".

MASTERS

Com a euforia mais baixa, é hora de pensar no Masters. Às vésperas da competição mais importante da sua carreira, myssen conhece alguns dos adversários que pode ter pelo caminho.

"O time que mais me chama a atenção é a Gambit, eles são muito frios, jogam bem lento. Além da Vision Strikers, um time que tem literalmente TUDO "timado", eles usam a skills com muita sincronia. São os dois times que gosto muito de assistir e me ensinam muito", explicou.

A pressão de representar o Brasil nunca é fácil e ele sabe disso. Para esse desafio, myssen confia mais nos companheiros do que qualquer um.

"Com certeza sentimos a mesma pressão que eles, o primeiro presencial internacional é sempre difícil. Mas sabemos que merecemos estar lá, temos a mesma porcentagem de chance que eles. Vamos lá para dar o nosso máximo, se divertir e para aprender, ganhando ou perdendo", afirmou.

Para isso, a Havan Liberty terá um adversário extra: a inexperiência. Além de ser o primeiro torneio internacional de todos do elenco, será também o primeiro presencial de krain e liazzi. O apoio fundamental dos psicólogos foi destacado por myssen, que acredita em reconhecer o nervosismo como forma de vencê-lo.

"O ponto chave não é sentir vergonha de estar nervoso, é aceitar, ele faz parte. Você treina todo dia para sentir aquele nervosismo. Se você tentar evitar, vai ficar nervoso. Ganha quem sabe controlar melhor. Acha que a Sentinels não fica nervosa? Impossível. A única coisa que pode nos atrapalhar é isso, se conseguirmos controlar, vamos muito longe", garantiu.

"Quero ser campeão mundial. Ir para Berlim e jogar o Masters é o primeiro passo deles. É o início de muita coisa", finaliza.