“Gigante”- JhoW, Vivo Keyd
"O engraçado era que eu era bem pequenininho na época e o dono da LAN House me chamava de gigante. Quando ele falava: ‘vai lá gigante, pode jogar um pouquinho’, eu ia todo animado, nunca me esqueço”. Quando relembra os primeiros passos, Jonathan da Glória Costa ou JhoW, como é conhecido fora de seu bairro, sabe de onde veio e para onde vai.
O apelido irônico dado pelo dono do estabelecimento da Zona Norte de São Paulo se tornaria realidade: JhoW é um gigante do FPS brasileiro. O menino que ficava atrás das cadeiras e até ajudava a limpar os setups para ter uns minutos de jogatina teve todo o tempo do mundo para sentar em frente ao computador e marcar seu nome na história do Brasil.
Não é exagero chamar de Gigante um jogador que teve títulos em quatro jogos diferentes: Point Blank, Assault Fire, Zula e agora, o VALORANT. Seu começo, claro, veio no PB, jogo em que ele alcançou a glória máxima, o Point Blank World Challenge (PBWC), em 2016.
"É surreal (vencer um Mundial), é incrível. Você se sente dono do mundo quando vence uma competição assim, ali contra os melhores times do planeta", afirma
(Foto: Arquivo Pessoal)
Fato é que JhoW chegou longe em tudo que se propôs a fazer. No Assault Fire, o jogador conquistou o Brasil e chegou até a China, para jogar contra grandes nomes do FPS como FalleN, fnx, entre outros. No Zula, ao lado de mwzera, os brasileiros ficaram em terceiro lugar no Mundial. Sempre brigando por coisas grandes. Mesmo tendo vivido tanto, ele só tem 25 anos de idade. Como se manter motivado após ter visitado o topo em tantas oportunidades?
"A motivação é sempre querer ser o melhor, isso não tem idade, não tem nada que faça superar isso. Confesso que com o passar do tempo, acaba sendo mais exaustivo. A competição é muito dura e no alto nível ela pune muito. Então às vezes você chega a pensar se é a idade, se você realmente quer aquilo. Eu já passei por isso. Para manter o alto nível, você precisa entender que não é só sobre seu jogo, mas sobre o time inteiro. É fundamental jogar com pessoas que querem o mesmo que você", garante.
Mas ele não se tornou um gigante sozinho. O apoio incondicional da família, representadas por ele pela Mãe e pela Avó, sempre foi o combustível nessa jornada complicada e completada por poucos. Mas foram as primeiras viagens internacionais que abriram os olhos de outros familiares.
“Minha mãe e minha avó sempre me apoiaram em tudo e eu sou muito grato a tudo que elas fizeram por mim, amo elas demais. É surreal, eu não trocaria nada da minha vida por elas. Para o resto da família foi uma grande surpresa (viajar para jogar). Acho que ninguém nunca tinha nem viajado de avião. Foi aí que foi o verdadeiro "Marco zero" para mim e começaram a me olhar com outros olhos", comenta.
A “ERA DE OURO” COM A GAMELANDERS
A migração para o VALORANT veio junto com a Gamelanders, projeto que juntou grandes nomes de outros cenários do FPS. Já ao lado de Leonardo “mwzera”, JhoW migrou com a fé de que viveria muitas coisas boas, e pelo jeito seus planos deram certo.
"Eu queria muito vir para o VALORANT. Eu estava no Rainbow Six na época, jogando com o mwzera. Falei que seria um diferencial enorme para a gente entrar logo no começo e botava muita fé por ser um jogo da Riot. Eu acreditava que viveríamos muitas coisas boas", lembra .
Por algumas vezes, críticos da Gamelanders diminuem o sucesso da equipe por alegar que o cenário era menos desenvolvido na época dos sete títulos. Segundo JhoW, os inúmeros títulos vieram, na verdade, do grande entrosamento que os jogadores tinham entre si.
"O diferencial para aquele time era que a base era sólida e se conhecia há muito tempo. A gente sabia resolver os problemas, já tínhamos sido campeões várias vezes. O Jonn eu joguei junto boa parte da minha vida, o FZN foi campeão comigo no PB, o mw que jogou R6 e Zula comigo e o Nyang, que conhecia há muitos anos do PB. Não acho que os times eram fracos, nosso time tinha uma mente muito forte”, afirma.
(Foto: Bruno Alvares/ Riot Games Brasil)
2021 chegou e com ele os problemas começaram. A equipe já não era mais tão dominante e, apesar de competir sempre no topo do cenário, deixou de ter a coroa de grande time brasileira, passada para a Team Vikings. Para JhoW, faltou inovação para o time se livrar de alguns desses problemas.
"Quando se fica muito no topo, você é o mais estudado. As coisas ficam mais manjadas. Você acaba tendo que inovar constantemente e acho que pecamos bastante nesse quesito. Inovamos muito pouco, na nossa cabeça estávamos fazendo a coisa certa. Talvez era receio de mudar muito o que tinha dado certo", relembra.
Como acontece costumeiramente por aqui, muitos “analistas” de frag também criticaram o desempenho do até então Controlador/Sentinela, já que em várias ocasiões JhoW acabava com o menor poder de fogo nos números finais.
"Individualmente falando, eu não estava tão bem assim. Eu botei muita pressão em mim mesmo por querer ajudar os meninos e talvez isso tenha afetado um pouco meu jogo. Eu adorava e adoro os meninos da GL até hoje. Sou uma pessoa que faz de tudo pelo time, se precisar ir na frente eu vou, qualquer coisa, acho que é meu diferencial. Qualquer crítica eu vou aceitar, vou tentar melhorar, não tenho ego inflado, tento sempre melhorar ao máximo", afirma.
A saída de JhoW da Gamelanders pegou muita gente de surpresa. Mesmo com resultados questionáveis, o conjunto não parecia que pretendia mudar tão cedo. Após a saída, ele confessa ter ficado chateado pela situação.
"Como são caras que treinei por um longo tempo da minha vida, fiquei muito triste sim. Eu queria ter tempo para ter disputado talvez o Masters Berlin com eles, mas não aconteceu. O sentimento que ficou foi um pouco de tristeza, mas não por sair. Queria ter vencido com eles", admite.
Sem time e em um momento técnico não tão brilhante, diversos pensamentos passaram pela cabeça de JhoW, que pensou em abandonar a carreira.
"Foi um sentimento que passou pela minha cabeça sim, não vou negar. Como falei, a competição é exaustiva, você tem que dar o melhor de si, às vezes você pode ter um burnout ou algo do tipo", alerta.
Mas não era o momento da gigante história de JhoW acabar. Após conversas com a mãe (Norma) e a namorada (Cynthia), o jogador refletiu sobre sua caminhada e sabia que aquilo não seria um ponto final.
“Cheguei a duvidar de mim mesmo, mas conversei com minha mãe e minha namorada e elas me apoiaram bastante. Comecei a pensar nas coisas boas que fazia para o time, e isso levantou meu moral. Uns três dias depois pensei: - Por que estou assim? Preciso ir atrás, conversar com as pessoas, eu quero vencer-.
PARCERIA HISTÓRICA COM JONN
A história de JhoW por muitas vezes se confunde com a de Walney ‘’Jonn”, seu parceiro de quase uma década no mundo do FPS. Além dos nicks parecidos que soam muito bem, eles compartilhavam mais coisas: o desejo de vencer.
"Eu amo o Beiço como se fosse meu irmão mesmo. A parceria deu tão certo porque gostávamos muito de vencer. A gente tinha a mesma mentalidade, se dedicava igualmente e queríamos vencer a todo custo. Fomos ficando mais próximos dentro da equipe. Você tem que estar próximo de pessoas que querem a mesma coisa que você".
Antes da amizade e de competir pela mesma bandeira, eles foram rivais. JhoW lembrou com um sorriso no rosto como conheceu Jonn.
"O nosso primeiro contato foi quando ganhei um campeonato em LAN dele (risos). Foi o primeiro campeonato presencial que eu ganhei. Desde aquela época ele já era diferenciado, muita skill individual. Ele era o cara com maior % de HS no PB, então já era assustador. Vencer esse campeonato foi muito bom", relembra
(Foto: Arquivo Pessoal)
Quase dez anos depois, eles voltariam a ser rivais, agora no VCTBR, pela Repescagem, valendo uma vaga internacional. O destino, fez seu trabalho: o kickado JhoW eliminou os antigos companheiros de Gamelanders. Apesar do triunfo, ele garante não ter um ‘’sabor especial’’.
"Os meus teammates ficaram mais felizes por mim do que eu mesmo (risos). Não vou falar que queria muito eliminar os caras, joguei como se fosse qualquer outra equipe, não vou levar para o pessoal. São pessoas que eu adoro, poderia até estar em Berlim com eles, mas o jogo tem dessas", explica.
Fora dos servidores, JhoW não poupou elogios ao antigo parceiro. Ele lembra das vezes em que o companheiro levantava seu moral, mesmo nos momentos ruins, e garante que Jonn tem um dos melhores corações que ele conhece. Em Berlim, será o primeiro torneio internacional de JhoW sem seu fiel escudeiro.
"Uma coisa que me marcou é que esse campeonato é o primeiro internacional que eu vou sem ele, em todos os outros ele estava comigo. Mandei uma mensagem, falando que queria ter ele comigo e que ia dar o meu melhor. Ele me respondeu que me amava, que estaria junto comigo e me deu muita força", comentou enquanto lia a mensagem do amigo no WhatsApp.
ENTRADA NA VK
O “Dream Team” montado pela VK tinha uma estratégia clara: juntar o maior talento disponível no mercado e triunfar na Etapa 3, a última chance para os times brasileiros que poderiam sonhar com o Champions. Apesar disso, o começo da VK foi conturbado e a classificação só veio na Fase 3.
"Sempre fomos tranquilos em relação a isso. Sou muito orgulhoso do meu time. Sabíamos que seria muito difícil no começo, pegamos cada um de um time, cada um com uma mentalidade. Soubemos lidar com isso e fomos "vivendo um dia de cada vez", resolvendo as coisas na hora, e foi isso que resultou na nossa vitória. Tenho certeza que nos dias de jogos, ninguém tinha mais vontade de vencer que nós. O nível de garra foi surreal", garante.
Se para a Havan Liberty, o foco era somar pontos, para a Vivo Keyd o cenário era ainda mais improvável. Para conquistar uma vaga no Last Chance Qualifier, a equipe precisaria necessariamente se classificar para o Masters Berlin. Com isso em mente, eles só começaram a visualizar o título após o 2-1 contra a Gamelanders.
"Por incrível que pareça, nossa única chance de participar do Last Chance Qualifier é pegando a vaga para Berlim. Fomos atrás disso, trabalhamos com isso na cabeça e deu muito certo. O momento chave mesmo foi contra a GL, sabíamos que não estava longe, mas também não estava tão perto. Depois daquele momento eu pensei: "tem que ser nosso, não é possível", confessa
Por fim, JhoW reflete sobre a campanha da Vivo Keyd na Final Brasileira e dá o veredito: histórica. Além de passar apenas na última chance, a equipe logo caiu para a Repescagem e fez uma campanha onde bateu: Gamelanders, Sharks, Team Vikings, FURIA e Havan Liberty. Uma campanha digna de gigantes.
"Foi uma campanha heroica. A gente estava com muita sede de vitória. Estávamos sempre preparados para o próximo jogo, não pensávamos em nada além, era sempre focado no próximo adversário. Nos dedicamos muito, abdicamos de muita coisa e soubemos trabalhar com as diferenças de cada um. Isso mostra a maturidade do nosso time".
O MASTERS BERLIN
Pela segunda vez na história, teremos dois times representando nosso país em terras estrangeiras. Depois de encontrar um meta bem diferente no Masters de Reykjavík, JhoW mostra que o Brasil está bem mais ligado no que vem aparecendo pelo Mundo.
"Tenho acompanhado muitos jogos da ACEND, tiramos muitas jogadas, inclusive. É muito bom assistir VOD internacional, os europeus têm um nível de bala absurdo, são jogos que você acompanha querendo tirar algo dali. Acompanho muito a Sentinels também, os coreanos. Esses VOD's agregaram muito ao nosso time no VCT", explicou.
Como sempre, a expectativa é sempre alta e nunca é fácil carregar todo um cenário quando se vai a um Masters. Porém, o jogador afirma que pretende manter a cautela que os levou ao título do Challengers.
"Vamos muito com o pé no chão, o Masters tem as melhores equipes de cada região, cada jogo é uma guerra. Mais que tudo, quero vencer para inspirar as pessoas, mostrar que a nossa região tem potencial sim de ser campeã. Eu quero muito que as pessoas torçam com a confiança de que o Brasil é muito bom nisso".
Junto com murizzz, que disputou a Copa do Mundo de Overwatch, JhoW é o único da equipe com uma grande experiência tanto em presenciais, quanto em torneios internacionais. Sobre sua função, ainda mais importante agora, ele mostra que quer ser essa voz da experiência que a equipe precisa.
"Sem dúvida, a experiência conta muito. Nosso papel é sim fundamental, num campeonato mundial você quer muito matar os caras e isso se torna uma afobação. Quando isso não acontece você fica meio frustrado, então vamos com muito pé no chão, um passo de cada vez, porque podemos ir muito longe, não só nós como os meninos da Havan também", finaliza.